Vestidas de Gauguin

Paul Gauguin (1848-1903), Two tahitian women, 1899

Paul Gauguin (1848-1903), Two Tahitian Women, 1899

Já era tempo de trazer Gauguin para pintar este vestido com as cores do que era, para ele, “a grande realidade fundamental”: a (sua) natureza. A relação dele com ela (esta fêmea que é a origem de todo mundo, de todo o mundo, sendo ela o mundo) não foi (apenas) a de um observador deslumbrado. Aos 35 anos – casado, pai de cinco filhos, artista nas horas vagas e frequentador dos círculos de arte de Paris -, tocado pela estética do Simbolismo, Gauguin embarca para sempre em uma viagem.

Por considerar que o estrangeiro se encontrava necessariamente no estrangeiro, Gauguin viveu durante anos em algumas ilhas do Pacífico, convivendo com os nativos e estabelecendo com eles uma relação de admiração. Traçou caminhos tortuosos, penosos. Em meio às agruras, seu olhar esteve atento às delicadezas, às mulheres e seus trejeitos, às suas formas, olhares e sutilezas. Descreveu assim a “Eva Tahitiana”: “muito sutil, muito sábia em sua ingenuidade” e, ao mesmo tempo, “capaz, ainda, de passear nua, sem vergonha”. Gauguin aponta aí para a relação da mulher com seu corpo, para a sensualidade que inclui e vai além do apelo que se faz ao olhar/corpo/desejo do outro.

O quadro Two Tahitian Women parece uma condensação dessa afirmação. Estão ali: os olhares voltados para o fora de campo do quadro, as frutas e flores como adereços para os corpos, os corpos como adereços da natureza, a cor da pele que reflete cores do fundo da pintura, as mãos sutilmente colocadas, os corpos posicionados de modos distintos (remetendo a poses de gregos e egípcios), os vestidos que escorrem e deixam ver os seios… Os vestidos. Pausa. Volto ao vestido, elemento cheio de força neste quadro, elemento que emoldura o sexo. Volto ao vestido, elemento que move esta escrita. Queria, antes de tudo, hoje, escrever sobre um vestido. Queria escrever um vestido e assim, vestir-me de contornos fluidos. Parti em busca de Gauguin pois o vestido, tal como o concebo, engancha o corpo à sua natureza (também a esta de Gauguin). O vestido confere contorno, fluidez e consistência ao corpo, a este corpo hoje tão virtual. Vestido: elemento que escorre, pelos corpos e pelas telas aos quais se mistura. Daí a sensualidade. O vestido é um véu sem fim, do sem fim. Bem, este é o começo. O começo de uma semana dedicada aos vestidos. O começo do fim de um ciclo. Mais, em breve.

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Os vestidos acima foram inspirados na obra de Paul Gauguin e fazem parte da coleção de Outono/2012 da grife italiana Dolce Gabbana.

Sobre crochet e Emma clothing

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Por entre as frestas demarcadas pelas mãos que deixam uma escritura em rendas e crochet, pode-se mirar a pele. Está aí o ponto onde poucos outros tecidos podem se comparar a esses: há gretas para o olhar, há uma escrita que se deixa ver em furos. O efeito especial está no revela/vela que mistura o corpo de quem veste com o corpo de quem escreve e, ainda, o de quem quer que olhe. Nesta trama, pode-se notar que o que está em causa no “vestir” é, justamente, esta mistura das peles através do tecido (do tecer) e este movimento de olhares e corpos que a roupa pode provocar.

Dentre as peças que mais admiro estão as que são feitas de crochet, de modo artesanal. Valorizam a beleza do corpo de quem veste através dos gestos (sempre presentes) de quem produziu as peças.

Há algum tempo admiro as peças da Emma Clothing, marca de roupas feitas de crochet. As peças são feitas à mão, no Zimbabwe, e a renda é revertida para famílias da região. Recomendo que visitem o site (entregam no Brasil).

O meu vestido favorito é o “over-sized”, que cai bem em qualquer paisagem: na praia, em ambiente urbano, no campo. Como é larguinho, garante conforto. A delicadeza dele cai bem se combinada com peças delicadas ou se contrastada com as mais pesadas. Pensando em usá-lo na minha cidade, Belo Horizonte, penso que o combinaria com coturnos marrons (ou mesmo pretos), uma pulseira com toque “modernin” (afinal, estamos falando de “belzonti”) e óculos de “gatim”. Vai ainda um “queijim” e um “cafezim”. Pronto, do jeitim que a gente gosta!

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Inté loguim!

Júlia

Descontinuum continuum

Um vestido de letras, literalmente. Um vestido revestido de palavras. Elas estão lá, inscritas. O que se tem a fazer – como num jogo de criança – é criar as ligações, de uma a outra, continuamente, sempre descontinuadamente. Entre uma palavra e outra: pausa, branco, não-palavra. É preciso costurar o ar até ir ao encontro do próximo significante a ser fisgado. De uma palavra à outra, infinitamente, mantendo o começo prosseguindo, a roupa vai ganhando forma. O corpo vai escrevendo e sendo escrito. O simbólico fisga o real, em alguns pontos. Vestido-pele-letra.

Nosso vestido começa a ser moldado por outros, antes de tomarmos a palavra. Um dia, a linha passa pelas nossas mãos. O que escrever? Que pele se pode tecer?

Poderia haver imagem mais literal do Vestido de Letras?

Esta é mais uma obra de Julia Valle, estilista/artista pesquisadora (www.juliavalle.com). Do site da artista retiramos o seguinte texto sobre a obra:

“O Continuum é um projeto cross-media e internacional, buscando colaborações infindáveis entre pessoas criativas de todo o mundo, a fim de produzir idéias autênticas e sensações sensoriais múltiplas. Foi fundado por Maja Mehle (Eslovênia) e Julia Valle (Brasil) e teve sua primeira exposição em Ljubljana, Eslovenia, na galeria SQUAT. Apresentou peças de vestuário exclusivas, fotografadas por Aljosa Rebolj, vídeo por Amir Admoni e trilha sonora por Alex Drimonitis. Abaixo, algumas imagens do projeto e arquivos para download.

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A bela nas fotos é a artista.

Toda minha admiração pelo trabalho desta moça tão querida.

Julia Valle acaba de lançar sua nova coleção – Flyingglow. Amanhã posto fotos das peças.

Beijos e boa semana!

Júlia

Tempo de Moda
no Vestido de Letras

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A produção de hoje foi criada com base na previsão do tempo – como sempre acontece no Tempo de Moda – e inspirada em um videoclipe do Washed Out que uma querida amiga (Luisa Horta) me apresentou. O clipe é repleto de flores coloridas, assim como este vestido florido que fisgou meus olhos desde a primeira vez que o vi, em uma vitrine. Coloquei o vestido duplicado porque entrei na onda meio psicodelic-India do clipe. 🙂

Acho interessante peças com fundo preto e estampas florais vibrantes. Este tipo de combinação/estampa tem aparecido muito em editoriais e desfiles pelo mundo afora. Quanto ao coturno, considero uma peça chave (com meia calça preta fica super charmoso). Contrastando com outras peças que têm um “cheirinho” mais romântico (ou não), conferem uma força e um peso legais às produções. Como gosto de peças mais delicadas, vez ou outra acrescento uma bota deste tipo para sair do romantismo meloso, do mamão com açúcar, do visual boa moça. O cinto eu acrescentei como uma aposta. Teria que testar se fica bem no corpo, sobreposto ao vestido que tem desenhos tão grandes na estampa. Mas acho que vestidos deste tipo pedem um cinto na cintura alta, para marcar e dividir a silhueta (pelo menos no caso de quem se assemelha mais a um retângulo ou triângulo, como eu). Como o cinto que escolhi tem uma fivela com formato mais clássico,  pode “bater” de uma forma legal com o coturno. Cabelo preso, batom, um pouco de lápis de olho e rímel. Pronto, fui!

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Recomendo irem ao site Tempo de Moda (parceiro do Vestido de Letras) criarem vocês mesmos. Há várias peças disponíveis e vocês podem montar suas galerias de fotos, que podem servir de painel de inspirações no dia-a-dia. Além disso, muitas peças estão em promoção, com preços bons. Recomendo.

Beijinhos,

Júlia

Obras de Frida Kahlo

O que se pode escrever e criar a partir da obra de Frida Kahlo não é suficiente para produzir o mesmo efeito/tom da língua e das imagens criadas pela ousada artista. O filósofo Gilles Deleuze afirma que os escritores criam uma língua nova, uma língua dentro da língua. Uma pintora, por sua vez, arranha o mundo com seu traço, criando assim um mundo dentro do mundo. Trago aqui, fragmentos do mundo de Frida Kahlo que são de uma força e de uma riqueza de detalhes absurdas. Convido vocês a olharem para essas obras como quem aprecia cada ponto da costura de um vestido.

My dress hangs there, 1933

My dress hangs there, 1933

Fulang Chang and I, 1937

Fulang Chang and I, 1937

Self Portrait with a monkey, 1938

Self Portrait with a monkey, 1938

What the water gave me, 1938

What the water gave me, 1938

The Two Fridas, 1939

The Two Fridas, 1939

The Broken Column, 1944

The Broken Column, 1944

Self-Portrait, 1948

Self-Portrait, 1948

Nas obras de Frida, as rendas, os adornos e os tecidos coloridos – marcados pela delicadeza – aparecem em meio a outros elementos fortes, por vezes trágicos e impactantes. O corpo da mulher ocupa a cena de modo central, misturando-se a outros elementos da natureza, por laços de afeto. Podemos identificar em muitas obras de Frida elementos da estética surrealista. No primeiro quadro aqui apresentado, por exemplo, um vestido – esta peça que tantas vezes representa a feminilidade – aparece pendurada, magestosamente e estranhamente – entre um troféu e uma privada. O que isso quer dizer? Não poderemos saber exatamente. Ao ler a obra de Frida não precisamos buscar um sentido, podemos nos deixar levar pela força do sem-sentido, tão potente, tão feminino.

Vamos que vamos em nossas leituras e pesquisa. Moda com arte.

Boa semana!

Um beijo,

Júlia

Look do dia: preto, branco e vermelho

Tenho colocado bastante pensamento e desejo neste blog. É interessante o processo de criação de um blog quando se parte de um desejo de escrita, invenção, compartilhamento. A coisa vai se moldando aos poucos. Ao mesmo tempo, preciso, em certa medida, direcionar a criação, escutar sua voz. Penso este espaço precisa ser sempre banhado pelas artes e pelas letras. Cada vez mais. Desejo articular ainda mais as diversas formas de expressão: moda, arquitetura, pintura, escrita, desenho, dança, música, cinema, design, etc. Isso será um estímulo a mais para as minhas pesquisas e para as nossas composições. Vocês verão! Mas, para tanto, talvez eu abra mão, pelo menos por enquanto, das dicas relacionadas a alimentação e saúde – como as da tag “Segunda Magra” – para que o blog tenha uma direção mais clara. O que vocês acham?

Francesca da Rimini and Paolo Malatesta, 1819

Francesca da Rimini and Paolo Malatesta, Jean-Auguste Dominique Ingres (1819)

Bem, hoje lanço uma nova tag: look do dia da pintura. Se recorremos a tantas fotos para inspirar as nossas composições, por que não recorrer a imagens extraídas do universo das pinceladas?! Achei que a proposta pode ser divertida e rica! Inspirada pelo clima geral de “romantismo” (?) do dia dos namorados, trago esta imagem criada pelo pintor francês Ingres (Jean-Auguste Dominique Ingres, 1780-1867), autor de alguns dos looks que aparecerão aqui. O traço de Ingres foi marcado pelo realismo, uma graça ligada à tradição e um elogio aos detalhes sutis. Em Francesca Da Rimini and Paolo MalatestaFrancesca usa um vestido justo no tronco e amplo da cintura (alta) para baixo. Bom para afinar a silhueta (vejam que o detalhe branco na cintura contribui para “acinturar” o corpo). Um cinto também cairia bem. A gola canoa dá um charme super especial ao corpo da mulher – é super sexy, pois deixa o colo à vista -, elegante e ainda contribui para a ilusão de que alguns quilinhos se foram em questão de segundos. Nada de colar pois o vestido já possui detalhes na parte posterior e um acessório poderia pesar. Que delicadeza e charme do penteado que inclui o detalhe da fita! Um penteado faz mesmo muita diferença. Make neutra (nada). E, por fim, o ponto alto da produção: a mistura de cores – preto branco e vermelho. A Olívia Palito adoraria! Essa mistura sempre vai bem – na minha opinião -, ainda mais quando o look inclui peças clássicas. É chique, feminino, elegante e traz sobriedade e diversão para a cena. A Moschino sempre aposta nesta mescla.  Vejam, abaixo, algumas produções da marca (a qual adoro!). Ingres e Moschino conversam.

Moschino SS/2011

Moschino SS/2011

Espero que tenham gostado dessa nova tag e que possam se inspirar no look de hoje, criado há mais de um século e tão atual.

Até!