A costura do invisível:
o efêmero também pode permanecer

Philosophy in the Bourdoir, René Magritte, 1967

Philosophy in the Bourdoir, René Magritte, 1967

Uma roupa veste um corpo. Um corpo veste uma roupa. E o que vem a ser um corpo (vivo)? Pedaço de matéria que pulsa, que se manifesta, que se dirige ao outro? Uma imagem limitada/bordejada que capturamos através dos sentidos? Um corpo é uma imagem? Um corpo é uma roupa? Onde termina um corpo e começa o resto do mundo? Como é que o resto do mundo toca o corpo?  Onde termina o corpo e começa a roupa? Como a roupa toca o corpo? Como a roupa toca o resto do mundo?

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Estas são questões que pulsam insistentemente. Mais ainda ao ver as imagens do último desfile da carreira do artista plástico e estilista brasileiro (neto de japoneses) Jum Nakao. Em 2004, na Semana de Moda de São Paulo (SPFW), Nakao apresenta, no desfile que encerra sua participação no evento, imagens que abrem uma brecha para o que usualmente não vê na moda: “A costura do invisível”. O artista apresenta uma coleção que promove um cruzamento entre o estilo das roupas do final do século XIX (passado) e bonecos playmobil (contemporâneo). Presentifica a questão da efemeridade. As “fadas playmobil” – como ele as denominou – vestem roupas delicadíssimas, feitas de papel vegetal e cortadas a laser – ou seja, materializações da leveza e da fragilidade. De longe, não se podia perceber qual era o material usado nas roupas, apenas que elas tinham um aspecto translúcido, como um véu – que convida o olhar a ver.

Ao final do desfile, ao entrarem em fila para encerrarem a performance, as modelos surpreenderam a platéia ao rasgarem e destruírem as roupas que vestiam, provocando um rompimento com o protocolo esperado. A des-costura, a presentificação da efemeridade. Um gesto que permite perceber a moda de outra forma, permite ver além da imagem e pensar/sentir o processo de produção da vestimenta e de costura dela com/no corpo. Afinal, destruída a roupa, o que resta? O resto é o conceito, uma elaboração simbólica que marca o corpo do estilista, das modelos, dos espectadores, cada um de uma forma.

“A constura do invisível” permite olhar para um ponto cego (o do cruzamento corpo-imagem-letra-roupa), em um universo (moda e mais…) fixado à imagem. Jum Nakao afirma que uma das frases que nortearam a criação deste desfile é a seguinte: “o efêmero também pode permanecer”. Sim, pode. Desde que a costura vá além do imaginário, criando um ponto de letra entre o corpo e o que ele veste no mundo, isto é, amarrando o real (o que pulsa), o imaginário (os contornos que criamos onde não há) e o simbólico (a linguagem que fisga o corpo). A elaboração simbólica e também no ato permite isso. A roupa se vai, mas a letra permanece. Valeu pela sua costura do invisível, Nakao! Pela sua letra, pelo deslocamento… Mesmo!

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Neste caso, vale a pena assistir o desfile em movimento:

A costura do nosso Vestido de Letras também busca tocar o invisível. Em ponto de letra.

Beijos,

Júlia

Look do Dia na Pintura: Caroline e o branco

Mademoiselle de Riviere, Ingres (___)

Mademoiselle Caroline de Rivière, Jean-Auguste Dominique Ingres (1806)

Hoje é sexta-feira e pelas ruas de Salvador (cidade que adoro), deve haver muita gente vestida de branco – por tradição, para reverenciar o orixá Oxalá, o Senhor do Bonfim, ou mesmo porque é lindo e é a cara da Bahia. Na sexta, dá branco. Por aqui, entramos no clima baiano, mas na companhia de uma delicada francesinha que, em um outro século, outro país e outro clima, montou um look incrível total white para pousar para um pintor. Caroline, a modelo de hoje, foi retratada por Ingres (já vimos um look pintado pelo artista aqui) quando ela tinha entre 13 e 15 anos. A jovem exibe um sorriso maroto e uma certa inocência no olhar. A roupa pende sobre seu corpo, sem que ela exiba e realce os detalhes do look por meio do gesto. Este é um aspecto interessante a ser destacado quanto à composição de um look: o efeito depende da relação do corpo – do olhar, inclusive – com os tecidos. A roupa emoldura o corpo e o corpo emoldura a roupa. Um corpo dialoga com o que veste. Neste caso, percebo Caroline ainda tímida em sua pose. Seu ar despretensioso contrasta com a exuberância do look: um vestido branco marcado por um detalhe transparente e por uma fita dourada que define a silhueta, estabelecendo uma divisão entre o tronco e o restante do corpo. As mangas são bufantes. A gola de pele de animal traz um ar fetichista para a cena. Dizem que o pintor ficou encantado pela jovem, considerando-a ravishing, arrebatadora. Não nos esqueçamos: branco também pode ser sexy.

Mademoiselle de Riviere After Ingres, Fernando Botero (2001)

Mademoiselle Caroline de Rivière (After Ingres), Fernando Botero (2001)

O pintor colombiano Fernando Botero, especializado em retratar formas gordinhas (de gente, de frutas de animais, etc.), fez uma bela  releitura do quadro de Ingres. Vejam (acima) como a mudança da posição das mãos de Caroline (agora com as unhas pintadas de vermelho, combinando com os brincos e com o batom), a introdução de mais luz na cena, a escolha de uma paisagem mais veranil e a presença do rosto do animal-cachecol conferem um outro efeito. Agora Caroline parece mais “descolada”, “à la vonté” e, na minha opinião, menos sexy (não pelo fato de estar com uns quilinhos a mais). Vocês concordam? O que percebem neste jogo dos sete erros?

Vimos Caroline retratada em 1806 e em 2011, em duas versões, sempre de branco. O branco bomba desde a Grécia Antiga! E no próximo verão teremos muitas opções de looks à la baiana. Eu pirei com as imagens do desfile da Cori/Verão 2013-14 do último São Paulo Fashion Week. Acho o branco uma cor extremamente elegante, sofisticada e que combina com todos os tons de pele. Destaca a figura. Acho incrível quando usado para festas a noite. Vocês costumam montar looks em branco?

Vejam alguns looks da Cori:

Cori verão 2013/2014, São Paulo Fashion Week

Cori verão 2013/14, SPFW

Desejo a você uma sexta feira cheia de paz e um fim de semana assim, leve!