Intere$sante?

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Nosso Vestido é de letras. Portanto, ele vai além da imagem. Há a imagem, mas não é só dela que um corpo se (re)veste ou se compõe. Ela se costura com letra e afeto. O Vestido pulsa com o corpo.

A letra, aqui, é também rastro, marca inscrita. Por isso mesmo, para além das imagens dos produtos/objetos de arte/peças criados pela estilista mineira Julia Valle, fez-se necessário trazer para o nosso Vestido as letras dessa artista, para respirarmos com seu estilo. As letras de uma estilista que inventa Moda e que pensa/pulsa arte. Uma estilista cujos posicionamentos políticos e éticos são bem demarcados e podem ser observados por quem convive com ela, em seus mínimos gestos, em todas as suas propostas, em seu corpo, enfim. Uma estilista que propõe uma Moda (sim, com M maiúsculo), que visa o bem-estar do sujeito, para além de impulsos de consumo e da satisfação imediata que se experimenta ao dar um “check” na lista de compras das peças que expõe a ligação do sujeito com as últimas tendências. Uma Moda que visa o bem-estar em comunidade, ou seja, que pensa no bem comum. Raridade.

Conheço a Julia há mais de uma década e o que mais me encanta na trajetória dela é que as glowing-roupas às quais ela dá a luz são pontos/restos de um rastro que compõe uma forma de estar no mundo única, solidária, cheia de estilo, que encanta os que estão à sua volta pela simplicidade, elegância e firmeza.

Por tudo isso, resolvi, no capítulo de hoje, trazer uma listinha (inédita!) escrita por Julia Valle (adoro listas!), com alguns apontamentos sobre o que ela propõe como Moda (interessante) em contraposição à moda (interes$ante):

  • Uma vestimenta têxtil atemporal não é perecível
  • Moda não sazonal não deve ser tratada como moda de tendências
  • A moda sazonal gera aumento em consumo, lixo e insatisfação
  • Clientes de oportunidade são diferentes de clientes de verdade
  • A motivação primeira em produzir uma coleção/projeto não é o lucro
  • Um objeto de Moda deve atravessar décadas como não‐obsoleto, enquanto um objeto de tendência não dura mais que uma estação
  • Uma Moda ética propõe e visa a construção de coleções particulares sucintas, duradouras e especiais
  • Tenha 1 peça muito especial no lugar de 10 fast‐fashioned
  • A terrível máxima minimalista “less is more” se aplica amplamente à Moda que busco(amos)

 

Ficamos por aqui.

Beijos,

Júlia

Look do dia com Arte:
o olhar que se vê

Le Pelerin, René Magritte (1966)

Le Pelerin, René Magritte (1966)

Le Pellerin Fashion; Editorial fotografado por Andrew Matusik para Genlux Magazine

Le Pellerin Fashion, Genlux Magazine

retangular

Como deslocar o comum para fora do comum? Como acessar o Fora? Como olhar o próprio olhar? René Magritte (1898-1967), pintor belga cujas obras têm fortes traços surrealistas e que ficou célebre pelo quadro do cachimbo que não é um cachimbo (ceci n’est pas une pipe), joga com a representação. Inserindo elementos comuns em combinações inesperadas e conjuntos bizarros, destaca que o que está em questão na pintura é, antes de tudo, o olhar. Mas também a escuta. Propõe ao espectador que escute as obras. Para ele, o silêncio é um elemento fundamental na apreciação de uma obra de arte. Assim, a partir de uma certa escuta da obra Le Pelerin (1966) e da releitura desta obra feita pelo fotógrafo Andrew Matusik (para um editorial da revista Genlux Magazine) compusemos estas imagens nas quais o elemento-chave é a máscara. Uma máscara que encarna o olhar e ocupa a função de um duplo. O olhar que pode ver o olhar, pelo menos por instantes. Uma conversa em silêncio. Uma mulher e sua mascarada.

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tons

escada_lateral

olho_no_olho

sentada

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costas

colar

sapatoVestido/Dress: Julia Valle  –  Colar: Mango  –  Sapato: Cavage

Fotografia: Carolina Homem

As peças desta produção são muito especiais. O vestido é o meu favorito absoluto, uma obra da Julia Valle que ganhei com amor. O processo de criação da coleção da qual este vestido faz parte merece um post (farei isto). O colar veio de Portugal. Acho interessante a combinação do brilho com o plástico, uma combinação estranha. O sapato estilo oxford é Cavage, marca que produz modelos diferenciados em cores inusitadas (pena não ser confortável, pelo menos no meu caso).

As obras de Magritte são muito potentes, inspiram várias produções e “dão pano pra manga” para discussões em moda/psicanálise/literatura/filosofia… Por isso, Magritte continuará a nos acompanhar. Já estou preparando um próximo capítulo sobre produções em moda inspiradas em obras do pintor.

Gostaria de agradecer ao Daniel Rabello, querido amigo que enviou esta obra de Magritte, sugerindo que um post fosse criado a partir dela. Valeu!!! Aproveito para dizer que sugestões de obras ou de outros temas que possam inspirar capítulos do Vestido de Letras são muito bem vindas. Vocês podem enviar as sugestões e pedidos para o meu e-mail (juliadesenamachado@gmail.com) ou clicar na opção “contato” do cabeçalho do blog e enviar suas mensagens. Vou achar ótimo!

Beijos,

Júlia

Por um fardo mais leve

Cooking cristals, Tunga (2006-2009)

Cooking cristals, Tunga (2006-2009)

O ponto mais rico de um blog é seu caráter de experimentação e fato de abrir um espaço para a livre criação. Aqui, podemos colocar as letras que desejarmos, tratarmos dos assuntos que nos interessarem, sem termos que seguir um script ou uma fórmula – mesmo porque o nosso objetivo não é descobrir a fórmula do sucesso, e sim, valorizar os traços singulares de cada sujeito, de cada obra. O blog tem tido efeitos interessantes em minha vida, em meu modo de pensar. Algumas idéias vão se transformando, recolocando, sumindo e aparecendo de outros modos e em outros lugares. A princípio, a idéia era publicar  apenas assuntos claramente relacionados a moda e a arte. No entanto, com o tempo percebo que uma diversidade de assuntos relacionam-se a estes temas. Cada vez mais encaro a moda como um pensamento e como uma forma de expressão pela forma. Penso a moda menos como uma fórmula e mais como uma experimentação. Menos como consumo e mais como criatividade. Menos cópia e mais inspiração. A moda está ligada a vários outros campos e atividades, articulada a diversos outros aspectos do “inventar um mundo dentro do mundo”. Se pensarmos em estilo, então, aí que as linhas e conexões se ampliam.

Moda e estilo envolvem uma reflexão sobre o sujeito, sobre a singularidade, sobre escolhas. Como tornar o fardo de ter que fazer escolhas mais leve? Nesse sentido, trago hoje, para vocês, um texto da nova colaboradora do Vestido de Letras, Cecília Lana. Cecília é jornalista, estudante de psicologia e psicanalista em formação. Fã de profissionais que transitam por diferentes campos de saberes, entre a psicanálise, a literatura e as colunas de jornal. Tem um modo de se vestir e de se expressar únicos e anda sempre inventando umas modas por aí, dando nó em pingo d’água. Bem vinda, querida Cecília!

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por um fardo mais leve

cecilia-mini2 Cecília Lana

Nos últimos anos, fiz as pazes com minha escolha profissional. Não definitivamente, é claro, porque aprendi que essa certeza é impossível. Mas pelo menos por enquanto. A verdade sobre uma escolha profissional é que ela é sempre provisória, que pode ser reorientada a qualquer momento da vida, que é matéria de eterna construção. Isso porque, primeiro, a escolha muda acompanhando as mudanças de direção de nossos desejos (que, inclusive, nem sempre são facilmente identificados por nós). E, segundo, porque existem diferentes vias de acesso àquilo que desejamos.

Mudanças

Me formei em Comunicação Social e trabalhei como jornalista por dois anos, ao mesmo tempo em que prestava vestibular para Psicologia e começava a cursar os primeiros períodos dessa graduação. Passei parte da faculdade de jornalismo namorando a psicologia e a psicanálise e, agora, estudo Psicologia flertando com o jornalismo. Ironia do destino ou não, o fato é que hoje trabalho em um cursinho pré vestibular, orientando jovens no momento da escolha profissional.

Pacote fechado?

O que procuro fazer por esses adolescentes que chegam ansiosos e angustiados à sala da psicologia é mostrar a natureza complexa disso que chamamos “escolha profissional” e que, ilusoriamente, é vendido por aí como sinônimo de “marque o X na opção de curso superior desejada”. Achar que o pacote vem pronto, esse é o grande engano. Um engano que traz mais sofrimento do que a própria escolha profissional já exige. Porque é dessa concepção de pacote fechado que nascem os dilemas que escuto todos os dias no pré vestibular: “como vou saber aos 17 anos o que farei pelo resto da minha vida?”; “e se eu não tenho todas as habilidades necessárias para o exercício da profissão que eu escolher?”; “e se eu me formar e depois não gostar da profissão na prática?”; “e se eu me cansar da profissão depois de alguns anos?”; “e se eu não encontrar lugar para atuar no mercado de trabalho?”.

Considerações

Algumas considerações que podem ajudar a responder às perguntas acima:

1- Como eu já disse anteriormente, escolher a profissão não é escolher o que você fará pelo resto da vida. Isso porque…

2- Sempre é possível recalcular a rota e, além disso, não há uma única prática profissional para cada tipo de carreira; existem práticas inúmeras, reinventadas cotidianamente por profissionais guiados por suas paixões.

3- Não existe um conjunto perfeito de habilidades essenciais para realizar determinado trabalho. Pelo contrário, a maneira de ser profissional é construção de cada um. Cada pessoa tem seu estilo de exercer a profissão e é justamente aí que está a riqueza! (Essa consideração é bem importante porque carrega no fundo o argumento de que não existe vocação, isto é, de que não existe uma profissão “certa” para alguém).

4- O mercado é um ponto interessante. À primeira vista, parece um critério bem objetivo de escolha: dificilmente alguém ficará desempregado como engenheiro ou médico e raramente alguém poderá enriquecer sendo pedagogo, certo? Mas não seria muito arriscado, em se tratando de uma escolha tão importante como a profissional, confiar nas estatísticas, colocar tudo nas mãos de um critério que é externo a nós, sob o qual não temos controle? Conheci muitos engenheiros que passaram parte das décadas de 1980 e 1990 desempregados. Trabalhei com pedagogos que ganham dinheiro lecionando na rede pública, realizando pesquisas em instituições de ensino superior e trabalhando com políticas públicas na área da educação. E não vou nem entrar aqui no mérito de que há de se questionar qual é o significado e o peso do “enriquecimento” no projeto de vida de cada um.

Projeto de vida

Parêntese. Quando falo em projeto de vida, estou me referindo a uma noção mais ou menos estruturada (na maioria das vezes até fugidia) daqueles elementos, objetos, pessoas e sentimentos que queremos que façam parte de nossa vida, que estejam próximos de nós de maneira permanente. Por exemplo: posso fazer uma ideia de que quero que a literatura esteja presente em minha vida de forma determinante, pois, sempre que estou na presença do objeto livro, sinto, mesmo que por um cintilar de segundo, que estou na direção certa: direção de meu desejo. Mas o que vou fazer com esse sentimento e como ele vai configurar minha escolha profissional varia: posso me tornar professora, bibliotecária, pesquisadora, escritora, jornalista, consumidora compulsiva de livros. Fecha parêntese.

Bifurcações

Hoje, penso nos colegas formados em comunicação e vejo que seguiram os mais diferentes caminhos profissionais: críticos de cinema, produtores culturais, publicitários, pesquisadores, jornalistas, assessores. Ok, até aí entendo que se trata de uma diversidade própria do campo da comunicação que não ajuda muito a fortalecer meu argumento de que o bom mesmo é sermos guiados por um projeto de vida, maior, dentro do qual a profissão deve se encaixar.

Mas posso falar daqueles colegas que, depois de graduados, iniciaram outros cursos, tornaram-se atores, chefes de cozinha, comerciantes, economistas – e que sempre exercerão suas profissões de uma forma um pouquinho diferente por terem se formado comunicadores. Posso falar também daqueles que conseguiram trabalhar com a comunicação de maneira, digamos, mais “convencional”, como jornalistas e repórteres, e que, ainda assim, fincaram os pés em outras áreas: pós graduação na área da política, mestrado em literatura, aulas de línguas, tradução de textos. E eles o fazem guiados tanto por paixões quanto por necessidades financeiras, buscando equilibrar a balança entre o mercado e o desejo.

Escolha profissional ≠ Curso superior

Penso nisso tudo e me sinto livre para ir montando essa equação de forma meio intuitiva e passional, escolhendo os caminhos que me acenam com vida. Bom, para mim, para os jovens que recebem orientação no cursinho e (espero) para a maioria das pessoas, entender a escolha profissional dissociada da ideia da escolha do curso superior e mais próxima da noção de um “projeto de vida” é muito apaziguador.

Mas, para fazer isso, é preciso ceder à dura verdade de que uma parcela de tudo na vida é mesmo aposta. E soltar o corpo!

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Espero que o texto possa inspirar vocês a desenharem e costurarem seus projetos de vida a partir do estilo único de cada um, um ponto após o outro.

Beijos,

Júlia

Observação: o texto “por um fardo mais leve” foi originalmente publicado na Revista Enter, uma revista online cuja leitura também indico. Para acessar, basta clicar aqui.