Descontinuum continuum

Um vestido de letras, literalmente. Um vestido revestido de palavras. Elas estão lá, inscritas. O que se tem a fazer – como num jogo de criança – é criar as ligações, de uma a outra, continuamente, sempre descontinuadamente. Entre uma palavra e outra: pausa, branco, não-palavra. É preciso costurar o ar até ir ao encontro do próximo significante a ser fisgado. De uma palavra à outra, infinitamente, mantendo o começo prosseguindo, a roupa vai ganhando forma. O corpo vai escrevendo e sendo escrito. O simbólico fisga o real, em alguns pontos. Vestido-pele-letra.

Nosso vestido começa a ser moldado por outros, antes de tomarmos a palavra. Um dia, a linha passa pelas nossas mãos. O que escrever? Que pele se pode tecer?

Poderia haver imagem mais literal do Vestido de Letras?

Esta é mais uma obra de Julia Valle, estilista/artista pesquisadora (www.juliavalle.com). Do site da artista retiramos o seguinte texto sobre a obra:

“O Continuum é um projeto cross-media e internacional, buscando colaborações infindáveis entre pessoas criativas de todo o mundo, a fim de produzir idéias autênticas e sensações sensoriais múltiplas. Foi fundado por Maja Mehle (Eslovênia) e Julia Valle (Brasil) e teve sua primeira exposição em Ljubljana, Eslovenia, na galeria SQUAT. Apresentou peças de vestuário exclusivas, fotografadas por Aljosa Rebolj, vídeo por Amir Admoni e trilha sonora por Alex Drimonitis. Abaixo, algumas imagens do projeto e arquivos para download.

vestido_palavra_capa_TRATADO

vestidopalavra_capa_2_TRATADO

vestidopalavras_2_TRATADO

vestidopalavras_TRATADO

vestidodeletras4_TRATADO

A bela nas fotos é a artista.

Toda minha admiração pelo trabalho desta moça tão querida.

Julia Valle acaba de lançar sua nova coleção – Flyingglow. Amanhã posto fotos das peças.

Beijos e boa semana!

Júlia

Por um fardo mais leve

Cooking cristals, Tunga (2006-2009)

Cooking cristals, Tunga (2006-2009)

O ponto mais rico de um blog é seu caráter de experimentação e fato de abrir um espaço para a livre criação. Aqui, podemos colocar as letras que desejarmos, tratarmos dos assuntos que nos interessarem, sem termos que seguir um script ou uma fórmula – mesmo porque o nosso objetivo não é descobrir a fórmula do sucesso, e sim, valorizar os traços singulares de cada sujeito, de cada obra. O blog tem tido efeitos interessantes em minha vida, em meu modo de pensar. Algumas idéias vão se transformando, recolocando, sumindo e aparecendo de outros modos e em outros lugares. A princípio, a idéia era publicar  apenas assuntos claramente relacionados a moda e a arte. No entanto, com o tempo percebo que uma diversidade de assuntos relacionam-se a estes temas. Cada vez mais encaro a moda como um pensamento e como uma forma de expressão pela forma. Penso a moda menos como uma fórmula e mais como uma experimentação. Menos como consumo e mais como criatividade. Menos cópia e mais inspiração. A moda está ligada a vários outros campos e atividades, articulada a diversos outros aspectos do “inventar um mundo dentro do mundo”. Se pensarmos em estilo, então, aí que as linhas e conexões se ampliam.

Moda e estilo envolvem uma reflexão sobre o sujeito, sobre a singularidade, sobre escolhas. Como tornar o fardo de ter que fazer escolhas mais leve? Nesse sentido, trago hoje, para vocês, um texto da nova colaboradora do Vestido de Letras, Cecília Lana. Cecília é jornalista, estudante de psicologia e psicanalista em formação. Fã de profissionais que transitam por diferentes campos de saberes, entre a psicanálise, a literatura e as colunas de jornal. Tem um modo de se vestir e de se expressar únicos e anda sempre inventando umas modas por aí, dando nó em pingo d’água. Bem vinda, querida Cecília!

————————————————————–

por um fardo mais leve

cecilia-mini2 Cecília Lana

Nos últimos anos, fiz as pazes com minha escolha profissional. Não definitivamente, é claro, porque aprendi que essa certeza é impossível. Mas pelo menos por enquanto. A verdade sobre uma escolha profissional é que ela é sempre provisória, que pode ser reorientada a qualquer momento da vida, que é matéria de eterna construção. Isso porque, primeiro, a escolha muda acompanhando as mudanças de direção de nossos desejos (que, inclusive, nem sempre são facilmente identificados por nós). E, segundo, porque existem diferentes vias de acesso àquilo que desejamos.

Mudanças

Me formei em Comunicação Social e trabalhei como jornalista por dois anos, ao mesmo tempo em que prestava vestibular para Psicologia e começava a cursar os primeiros períodos dessa graduação. Passei parte da faculdade de jornalismo namorando a psicologia e a psicanálise e, agora, estudo Psicologia flertando com o jornalismo. Ironia do destino ou não, o fato é que hoje trabalho em um cursinho pré vestibular, orientando jovens no momento da escolha profissional.

Pacote fechado?

O que procuro fazer por esses adolescentes que chegam ansiosos e angustiados à sala da psicologia é mostrar a natureza complexa disso que chamamos “escolha profissional” e que, ilusoriamente, é vendido por aí como sinônimo de “marque o X na opção de curso superior desejada”. Achar que o pacote vem pronto, esse é o grande engano. Um engano que traz mais sofrimento do que a própria escolha profissional já exige. Porque é dessa concepção de pacote fechado que nascem os dilemas que escuto todos os dias no pré vestibular: “como vou saber aos 17 anos o que farei pelo resto da minha vida?”; “e se eu não tenho todas as habilidades necessárias para o exercício da profissão que eu escolher?”; “e se eu me formar e depois não gostar da profissão na prática?”; “e se eu me cansar da profissão depois de alguns anos?”; “e se eu não encontrar lugar para atuar no mercado de trabalho?”.

Considerações

Algumas considerações que podem ajudar a responder às perguntas acima:

1- Como eu já disse anteriormente, escolher a profissão não é escolher o que você fará pelo resto da vida. Isso porque…

2- Sempre é possível recalcular a rota e, além disso, não há uma única prática profissional para cada tipo de carreira; existem práticas inúmeras, reinventadas cotidianamente por profissionais guiados por suas paixões.

3- Não existe um conjunto perfeito de habilidades essenciais para realizar determinado trabalho. Pelo contrário, a maneira de ser profissional é construção de cada um. Cada pessoa tem seu estilo de exercer a profissão e é justamente aí que está a riqueza! (Essa consideração é bem importante porque carrega no fundo o argumento de que não existe vocação, isto é, de que não existe uma profissão “certa” para alguém).

4- O mercado é um ponto interessante. À primeira vista, parece um critério bem objetivo de escolha: dificilmente alguém ficará desempregado como engenheiro ou médico e raramente alguém poderá enriquecer sendo pedagogo, certo? Mas não seria muito arriscado, em se tratando de uma escolha tão importante como a profissional, confiar nas estatísticas, colocar tudo nas mãos de um critério que é externo a nós, sob o qual não temos controle? Conheci muitos engenheiros que passaram parte das décadas de 1980 e 1990 desempregados. Trabalhei com pedagogos que ganham dinheiro lecionando na rede pública, realizando pesquisas em instituições de ensino superior e trabalhando com políticas públicas na área da educação. E não vou nem entrar aqui no mérito de que há de se questionar qual é o significado e o peso do “enriquecimento” no projeto de vida de cada um.

Projeto de vida

Parêntese. Quando falo em projeto de vida, estou me referindo a uma noção mais ou menos estruturada (na maioria das vezes até fugidia) daqueles elementos, objetos, pessoas e sentimentos que queremos que façam parte de nossa vida, que estejam próximos de nós de maneira permanente. Por exemplo: posso fazer uma ideia de que quero que a literatura esteja presente em minha vida de forma determinante, pois, sempre que estou na presença do objeto livro, sinto, mesmo que por um cintilar de segundo, que estou na direção certa: direção de meu desejo. Mas o que vou fazer com esse sentimento e como ele vai configurar minha escolha profissional varia: posso me tornar professora, bibliotecária, pesquisadora, escritora, jornalista, consumidora compulsiva de livros. Fecha parêntese.

Bifurcações

Hoje, penso nos colegas formados em comunicação e vejo que seguiram os mais diferentes caminhos profissionais: críticos de cinema, produtores culturais, publicitários, pesquisadores, jornalistas, assessores. Ok, até aí entendo que se trata de uma diversidade própria do campo da comunicação que não ajuda muito a fortalecer meu argumento de que o bom mesmo é sermos guiados por um projeto de vida, maior, dentro do qual a profissão deve se encaixar.

Mas posso falar daqueles colegas que, depois de graduados, iniciaram outros cursos, tornaram-se atores, chefes de cozinha, comerciantes, economistas – e que sempre exercerão suas profissões de uma forma um pouquinho diferente por terem se formado comunicadores. Posso falar também daqueles que conseguiram trabalhar com a comunicação de maneira, digamos, mais “convencional”, como jornalistas e repórteres, e que, ainda assim, fincaram os pés em outras áreas: pós graduação na área da política, mestrado em literatura, aulas de línguas, tradução de textos. E eles o fazem guiados tanto por paixões quanto por necessidades financeiras, buscando equilibrar a balança entre o mercado e o desejo.

Escolha profissional ≠ Curso superior

Penso nisso tudo e me sinto livre para ir montando essa equação de forma meio intuitiva e passional, escolhendo os caminhos que me acenam com vida. Bom, para mim, para os jovens que recebem orientação no cursinho e (espero) para a maioria das pessoas, entender a escolha profissional dissociada da ideia da escolha do curso superior e mais próxima da noção de um “projeto de vida” é muito apaziguador.

Mas, para fazer isso, é preciso ceder à dura verdade de que uma parcela de tudo na vida é mesmo aposta. E soltar o corpo!

—————————————————

Espero que o texto possa inspirar vocês a desenharem e costurarem seus projetos de vida a partir do estilo único de cada um, um ponto após o outro.

Beijos,

Júlia

Observação: o texto “por um fardo mais leve” foi originalmente publicado na Revista Enter, uma revista online cuja leitura também indico. Para acessar, basta clicar aqui.

Look do Dia com Arte:
cores e letras de Frida Kahlo

frida_kahlo_portrait_TRATADO

O corpo se compõe de laços de fita, sonhos e memórias felizes, brincadeiras de boneca, passeios de mãos dadas, danças rodopios e vestido rodado. Se acaricia com delícias e guarda o “para sempre” da infância. Mas o corpo também se faz de dor, desconforto, estranheza e limitações (#quem nunca?). O corpo é estranho e estrangeiro, fala uma língua que exige tradutores. Temos que inventar – cada um de um modo – modas com/para nossos corpos. Precisamos costurar vestidos e moldar contornos para o corpo, para diluir o amargor que, em cada vida, tem fórmula, densidade e gosto singulares.

Alguns encarnam o sofrimento de forma mais intensa e, assim, encaram mais de perto os impasses que um corpo pode colocar. Seja por obra do destino ou do desejo, um sujeito pode ter que “dar nó em pingo d’água” para criar seus laços de fita. E é daí que surgem invenções de moda incríveis, inesperadas, potentes. A beleza viva brota do extremo. Frida Kahlo – a artista mexicana de traços fortes e olhar marcante que estampa o retrato acima – conseguiu, através de seu gesto artístico e de suas cores, transformar seu amargor em flor, oferecendo ao mundo um universo de cores e letras intensas e extremamente femininas. Uma bruta flor do amor.

flor_5_capa

Frida Kahlo parece pintar com cores que escorrem de seu pulso. O corpo aparece com toda força nas obras da artista cuja vida foi marcada por impasses: contraiu poliomielite aos seis anos de idade, ficou em cima de uma cama por nove meses e ficou com sequelas. Aos dezoito anos foi vítima de um grave acidente em que o ônibus no qual se encontrava colidiu com um carro. As sequelas desse acidente foram ainda mais graves. Ela passou a ter dores fortes e constantes e, de tempos em tempos, fazia tratamentos em que precisava permanecer imobilizada. Mas, justamente diante do imperativo de “parar”, ela deu (como pôde) um “pulo” de vida na vida e lindamente fez jorrar suas cores e dores no mundo.

closeolho

Como no dia 06 de julho comemoramos o aniverário de Frida Kahlo – uma artista cuja obra me toca desde cedo (contarei o porquê no próximo post), resolvi fazer uma semana temática. Todos os looks desta semana serão inspirados na figura e na obra de Frida. Ah! Nesta semana teremos três looks! O de hoje foi inspirado na foto que abre o post. O olhar de Frida é, ao meu ver, o núcleo e o coração da foto. Em torno desse olhar, adereços coloridos e jóias em prata. Adepta da tendência étnica (que está super em alta!), a estilosa Frida gostava de se enfeitar com elementos que remetiam à cultura e às tradições de seu país natal: México.

Para compor o meu look com Frida, parti das cores fortes de sua blusa e do laço de fita que enfeita seu cabelo. Azul e rosa choque são cores marcantes que formam uma combinação viva-contraste. Na blusa de Frida catei a flor, que foi a “chave” do ensaio fotográfico. Escolhi uma calça (que adoro) com estampa étnica, fazendo uma referência à cultura indígena. Dobrei a barra da calça porque acho que fica mais charmoso e alonga as pernas (sou mignon). A blusa com laço remete ao adereço que enfeita a trança da pintora. O sapato  que escolhi tem um toque artesanal (nas cordas). Se “viajarmos na maionese” podemos ver que o cinto remete às pirâmides mexicanas (#forçando a barra com Frida Kahlo. haha). Quanto à bolsa, achei que ela dava um toque mais moderno ao look que, no fim das contas, ficou bem atual. Concordam?

tocando_porta_TRATADO_2

verde

bolsa

porta_gesto

corpo_todo

mao_cintura

sapato

lateral_1

lateral_2

detalhe_meio

perfil_mao

pose

flor_1

flor_2

flor_3

flor_4 Blusa: Luisa Accorsi (recomendo!)/Calça: Pop Up Store/Cinto: Zara/Sapato: Arezzo/Bolsa: comprada em viagem

Fotografia: Carolina Homem

Aproveito para indicar a leitura de O Diário de Frida Kahlo: um auto-retrato íntimo. É um livro-exposição que traz os escritos de Frida entremeados aos seus desenhos. É de uma beleza e de uma intensidade fora do comum. Uma obra de arte. Vale a pena procurar.

capa_diario_tratado

Espero que tenham gostado deste retalho do nosso Vestido de Letras.

Aguardem! Vem mais por aí!

Aproveito para agradecer pelos comentários que vocês têm deixado aqui, costurando nosso vestido com as cores de suas letras. Fico muito satisfeita ao ler cada mensagem.

Beijos,

Júlia

Look do dia da Pintura:
a bailarina e o gato

Ballerina with a black cat, Pierre Carrierre Beleuse

Ballerina with a black cat, Pierre Carrier-Belleuse (1851-1933)

O gato, este ser esguio, elegante e preciso em cada mínimo gesto, nos conduz, delicadamente, à bailarina, outro ser dotado dessas admiráveis qualidades. O gato e a bailarina se aproximam por semelhança e compõe um quadro de Pierre Carrier-Belleuse, pintor francês que se dedicava a retratar a delicadeza dos corpos das jovens dançarinas. Nesta obra, o olhar do gato e o da moça se assemelham, bem como seus corpos delicadamente relaxados e precisamente posicionados. O contraste aparece entre a cor do vestido – em tom rosa claro, salmonado, com pitadas de branco – e o pêlo escuro do animal. O tule – marca clássica do balé – forma uma moldura em torno dos corpos. A sapatilha está lá, magestosa, em destaque.

A figura da bailarina condensa tantos sonhos, significados, enigmas, tanta beleza, tanto imaginário, que diversos pintores se dedicaram a representá-las (ver as bailarinas de Dégas). Como afirma Chico Buarque, “só a bailarina que não tem…” todas as agruras do mundo. A bailarina só tem leveza, destreza, beleza. A bailarina veste-se impecavelmente e sustenta como ninguém seu corpo e os adornos que o envolvem. A bailarina não pode ser um ser vivo como os outros. Como ela rodopiaria tão rapidamente e cairia justamente no mesmo ponto, se humana fosse? Qual é o seu segredo? É, a bailarina não deve ser gente como a gente. Pelo menos se vista de longe. De longe, mas em nós, pois ela gira pelas nossas fantasias. Quem sabe seja uma letra a bailarina. Uma letra que, em movimento, produz encanto e alimenta o ideal. Abaixo, algumas idéias de como se vestir desta letra-bailarina.

Chloé, Verão 2011

Chloé, Verão 2011

Dior, Outono/Inverno 2012/13

Dior, Outono/Inverno 2012/13

Chanel, Verão 2011

Chanel, Verão 2011

Chloé, Verão 2011

Chloé, Verão 2011

Maria Bonita Extra, Inverno 2011

Maria Bonita Extra, Inverno 2011

Cavalera, Primavera-Verão 2010/11

Cavalera, Primavera-Verão 2010/11

Observação: não precisa ficar tão rígida quanto as bailarinas. Pode dar uma requebrada.

Voa, voa, letra-bailarina!

Bom dia para vocês!

Quero saber o que vocês estão achando do blog. Bjins