Desdobramento

Mulher com véu fotografada por Clérambault

Mulher com véu fotografada por Clérambault

Este blog foi aberto com um texto que chamei de Lançamento. Um lançamento a um espaço de abertura, criação, de escrita. Escrita com corpo. Para isso, propûs, então, que os seguintes elementos acompanhassem tal abertura: flores, luz, calor, ânimo, aconchego, menos-pressa, cuidado, a alquimia da cozinha, um certo silêncio para leitura e escrita. Tudo isso fez parte do percurso. Leitores compareceram, o que multiplicou os afetos e produziu amarrações. A escrita foi o motor do blog. Uma escrita acompanhada de leituras e que se apropriava de materiais e suportes variados (papel, tela, imagem) e que parecia estar sempre em processo de abertura. Uma escrita que caminhava incessantemente a um outro lugar. Este movimento de busca permanece. É tecendo o Vestido que tento ler as letras que o compõem.

O blog (neste formato) foi uma passagem. Uma passagem com importantes efeitos. Dentre os principais  destaco a prática da escrita, a pesquisa (em moda e mais) e o diálogo com quem teceu junto o Vestido, deixando as marcas de sua letra. Os efeitos se misturam com os meios. O princípio se mistura com o meio, com o fim. Qual fim? O fim do blog continua sendo uma abertura, um eterno recomeço em busca da diferença.

Para este post de agradecimento a quem me acompanhou nessa passagem, escolhi um tema que também trata de vestir palavras, vestir letras. Trata da vestimenta como uma dobradura que articula a dimensão estética do corpo à sua dimensão pulsional. A psicanalista Izabel Haddad Marques Massara fez uma pesquisa que articula a psicanálise à moda. E é nesse ponto que o texto dela nos interessa, por ressaltar a psicanálise como método de leitura. Recorremos a trechos de um artigo de sua autoria intitulado “Uma mulher no rastro da seda” para esse fechamento-abertura do nosso Vestido de Letras. Izabel cada um tem uma relação particular com seu Vestido.

Agradeço a cada um que contribuiu, generosamente, para a costura deste Vestido e à Izabel, por essa dobradura para o fechamento-abertura. Fim bom é aquele que se deixa abrir.

 

Uma mulher no rastro da seda

 Izabel Haddad Marques Massara*

“Ela se masturba com a seda sem mais devaneios,

como um gourmet solitário saboreando um vinho delicado”

(TISSERON, 1980, p. 9).

 I. Clérambault: médico e artista plástico

Gaetan Gatian de Clérambault foi descrito no livro A história do pensamento psiquiátrico, de Paul Bercherie como um homem de estilo lapidar e encantador, cuja concisão e eficácia produziram um verdadeiro talento de observação analítica. O jovem médico era considerado perspicaz e carismático. Além disso, ao mesmo tempo em que exerceu um fascínio em seus contemporâneos, despertou paixões hostis no grupo de psiquiatras franceses, devido à sua maneira de conduzir seus estudos e sua própria vida (BERCHERIE, 1989, p. 285). Na descrição de Bercherie, e em muitos outros escritos sobre o Dr. Clérambault, pode-se vislumbrar o paradoxo que foi a vida, a obra e a morte desse psiquiatra.

Como médico, ficou famoso entre seus pares por descrever os pacientes que atendia com extrema minúcia. Considerado um excelente clínico, fazia jus aos preceitos da clínica psiquiátrica de sua época: observador atento e minucioso listava com destreza os sintomas psicopatológicos e dissecava, no tempo de uma breve anamnese, a personalidade psíquica de seus pacientes. Descreveu e descobriu a síndrome do automatismo mental – fenômeno ainda hoje reconhecido como peculiar a determinados estados psicóticos – e a erotomania, sintoma que ficou conhecido como “Síndrome de Clérambault”.

Dedicava-se aos pacientes nomeados de desviantes e amorais pelo discurso psiquiátrico de sua época. Vertia uma atração particular por toda espécie de sujeitos que apresentavam certo desregramento afetivo, um tipo de excesso diagnosticado de degenerescência mental. Essa predileção pelo estudo dos exemplares mais curiosos da loucura, fez com que ele dedicasse mais de 30 anos de sua vida ao exame dos vagabundos, prostitutas, delirantes e das vítimas de alucinações que vagavam pela Cidade-Luz. Foi entre essa infinita variedade de tipos psicológicos que ele se deparou com as cleptomaníacas que escandalizavam a moral da sociedade vitoriana parisiense por cultivarem um gozo desmedido pelo roubo dos tecidos. Entre elas, encontrou uma paixão que viria a encarnar uma de suas próprias predileções, o caimento e o efeito tátil dos tecidos moles.

Por caminhos impensáveis Gaetan Gatian de Clérambault acrescentou elementos a sua paixão, alimentando sua sensibilidade artística e sua paixão pelos tecidos. Foi exatamente na metade de sua longa estada no posto de médico da enfermaria da cidade, entre os anos de 1905 e 1934, mais especificamente em agosto de 1914, que irrompeu a Primeira Grande Guerra, e ele foi escalado para servir nos fronts na África. Devido a um acidente que o feriu no ombro, solicitou um período de convalescença em Fez, no Marrocos, protetorado francês na época. Foi então, longe de Paris, que ele pôde dar lugar à sua paixão pelas mulheres e pelos tecidos. Saltou-lhe aos olhos a forma como as mulheres viviam escondidas sobre os convulsivos drapeados das burcas árabes sobre os quais inventavam tipos de amarrações e enlaces inusitados.

Clérambault, que havia escrito, há alguns anos, o artigo para os Arquivos de Antropologia Criminal sobre Marie e as outras pacientes arrebatadas pelas sedas, apaixonou-se pela topologia dos drapeados, por suas dobras e reentrâncias, e iniciou suas observações e estudos sobre a ciência dos drapeados árabes. Esse médico e artista plástico passaria os três anos seguintes de sua vida em Fez, retratando, através de uma máquina fotográfica arcaica, as mulheres e as formas com que arquitetavam suas vestimentas. Haviam muitos elementos presentes num simples drapeado árabe, o modo como cada uma das mulheres os enlaçava ao corpo, tomando de forma única o pedaço de pano, atraiu sua atenção sobremaneira.

Foi a partir da reunião das fotografias selecionadas nessa viagem que surgiu uma coleção de duas mil imagens, que se tornaram, posteriormente, o material para suas aulas sobre o estudo dos drapeados na Escola de Belas Artes de Paris.  Novamente, ele estava diante do objeto de seu encantamento. Mais do que retratar as mulheres, das quais só se via o olhar enquadrado pela burca, ele queria fotografar os tecidos e o contorno que eles tomavam com o movimento produzido a cada gesto corporal.

Em maio de 1919, após o final da guerra, Clérambault volta a Paris onde vivia, e logo retoma seu posto de psiquiatra na delegacia da cidade. Ao voltar da guerra, o efeito de ter vivido três anos distante de suas funções como psiquiatra o fez perceber que seus desejos não se reduziam à carreira psiquiátrica e que desejava compartilhar os deveres de sua profissão com suas predileções artísticas. Juntamente com sua posição de médico-chefe da enfermaria de alienados dá início aos estudos sobre o drapeado clássico árabe e sobre etnofotografia. Em 1924, passa a dividir a função de psiquiatra com o trabalho de ministrar aulas sobre o drapeado antigo e as vestimentas exóticas na escola de Belas Artes.

Ao longo dos anos, percebe-se gradativamente que Clérambault encorajou-se a escrever textos que demonstravam claramente seu interesse pela tecelagem. Ele redigiu artigos notáveis, tais como “Sobre a tecelagem como modo de trabalho para os doentes mentais” (1929) e “Os teares japoneses” (1932) “Os núcleos inclusos atados e as bainhas fistuladas nos drapeados gregos” e “Nota sobre o ofício do tecer entre os chineses”. Nessa mesma época, animado por sua nova carreira como estudioso dos drapeados, proferiu uma palestra à Sociedade de Etnografia de Paris sobre o tema da Classificação do Drapeado Árabe. Nessa época a comunidade médica já não via com bons olhos o caminho tomado por Clérambault.

Como médico e artista, Gaetan Gatian de Clérambault denunciou uma divisão que não era muito natural aos médicos de sua época. Era uma figura curiosa, enigmática e excêntrica, como os pacientes que atendia. Sérge Tisseron, no livro A paixão de um neuropsiquiatra pelos tecidos, chegou a se perguntar se a proximidade entrevista por Clérambault entre seus mais íntimos desejos e certas formas de gozo fetichista estudados pela psiquiatria de sua época, o deixaram reticente em descrever os casos com os quais se deparava na sua clínica, exatamente por não querer saber sobre a patologia que ligava a paixão de alguns homens com os tecidos e sua própria questão. Talvez por isso havia se contentado em descrever o suposto fetichismo por tecidos apenas nas mulheres, algo que nunca conseguiu sistematizar. Entre suas pacientes, Marie Benjamin ganhou maior destaque e importância por ser o último caso atendido que reafirmou os outros três com os quais ele já havia se deparado antes dela.

II. Marie: costureira e louca

Marie Benjamin tinha sete anos quando começou a se apaixonar pelas sedas. Foi o que ela disse aos médicos do Asilo Saint-Anne, onde havia sido internada pela primeira vez. Detalhou que “brincava de papai e mamãe, com uma menina, sobre uma cadeira”, cuja cobertura era de tecido, quando sentiu um gozo inexplicável (BERLINCK, 2009, p. 278). Essa atração pareceu tê-la arrebatado muito precocemente e, a partir daí, passou a se dedicar com frequência à masturbação, solitária ou recíproca, usando pedacinhos da seda. Sobre essa primitiva compulsão, lembrava que se entregava ao onanismo compulsivo, que havia sido deflagrado depois da pitoresca cena com a cadeira. Narrava lembranças muito vivas em relação aos momentos posteriores em que se deparou novamente com o tecido: “Eu me casei para ter um lindo vestido de seda preto, que ficava encorpado. Depois do meu casamento, ainda vestia minhas bonecas; ainda gosto disso. A seda tem um froufrou, um cricri, que me dá prazer” (BERLINCK, 2009, p. 278).

A suposta histérica contava 49 anos no momento em que irrompeu de fato seu sintoma sexual e cleptomaníaco associado à seda. Era tomada de assalto por uma curiosa satisfação que envolvia uma sequência de atos estranhos: furto, exibicionismo e masturbação com o tecido em público. A cena de exibicionismo com a seda denunciava claramente seu ganho secundário, travestido de um apelo muito particular: o de ser vista, e não somente, olhada pelos homens. Era preciso roubar a nesga e dividir com o grande público seu gozo sexual, assim ela se dava a ver. Parecia evidente que essa costureira, nascida na periferia de Paris, demandava, no mínimo, que Clérambault e quem frequentasse as lojas de tecidos, olhassem-na sem entender o que a levava a tamanho desregramento. Seu sintoma estava estruturado sobre um cenário e um contexto no qual ela contracenava com a seda.

No prontuário psiquiátrico, Clérambault descreveu que a paciente padecia de uma doença histérica e de uma forma de fetichismo feminino. No relatório clínico, era possível acompanhar suas impressões sobre os sintomas da paciente, que ele descreveu segundo as categorias psicopatológicas de sua época como: delírio de tocar, paixão pela seda, impulsão cleptomaníaca, amoralidade, e delinquência banal (BERLINK, 2009, p. 278). Apesar de sua paixão sexual arrebatadora pela seda, Marie sofria de uma frigidez confessa em relação aos homens. Ela confidenciou aos médicos em uma das entrevistas: “Eu não me importo com os homens, primeiro porque eles se parecem todos” (BERLINCK, 2009, p. 278). Era curioso que ela apresentasse um sintoma de anestesia sexual em relação aos homens, pois com a seda apresentava-se o oposto. Era como se seu verdadeiro par amoroso fosse esse tecido. O fato de se exibir também demonstrava que ela talvez tivesse compreendido, como uma boa histérica, a essência do pensamento psiquiátrico de sua época. A escola de psiquitria francesa formada somente por homens foi nomeada de psiquiatria do olhar. Era exatamente ao olhar desses homens que Marie se ofertava como objeto para ser admirado.

O médico que apreciava de perto seus objetos de estudo, para melhor descrevê-los, foi arrebatado pela história da paciente que gostava de ser vista. Tal relação erotizada com a seda e mesmo com o próprio olhar, tornou-se um dado relevante para a história clínica da paciente e um atrativo à parte para o próprio Clérambault. Essa paixão dirigida ao tecido deixou o psiquiatra muito intrigado. A atração mórbida por esse objeto e o simples fato de ouvir pronunciar a palavra “seda”, ou ainda representá-la em pensamento, era suficiente, dizia ela, para provocar-lhe uma “ereção das partes sexuais” (BERLINCK, 2009, p. 278). O orgasmo total se produzia no contato e pela fricção da seda contra a região genital. As qualidades agregadas à seda, como a textura, o frescor e a fineza eram muito importantes para a paciente.

 Para essa costureira a seda do vestido devia possuir, no mais alto grau, a qualidade que ela venerava, a saber, a firmeza: “Eu gosto da seda que fica de pé sozinha” (BERLINCK, 2009, p. 281). O tecido não apenas deveria roçar, com delicadeza, a epiderme; mas era preciso ainda que ele tivesse um corpo. Além da maciez superficial, um tipo de energia interna, que lembra o músculo ou qualquer outra tensão parecida com um corpo em trabalho, deveria ser evocada pela seda. Era um fato que Marie procurava na estrutura do tecido da seda um prolongamento do seu próprio corpo. Depois de aposentar as camisas de força espartilhadas, de onde as mulheres de sua época haviam saído recentemente, a seda serviu como uma segunda pele e pareceu cair ao seu sintoma e a seu corpo como uma luva.

Foi assim que, apesar do esmero para detalhar o relato clínico de Marie e de conduzir tais impulsos sexuais da paciente a uma única categoria nosográfica, Clérambault não previu que esbarraria em dificuldades intransponíveis para sua época, devido a dois fatores cruciais. O primeiro deles estava relacionado a uma impossibilidade diagnóstica, pois até então a psiquiatria nunca havia descrito o fetichismo por tecidos em mulheres. Marie apresentava uma espécie muito rara e ainda inclassificável de doença mental. O segundo, e mais importante deles, liga-se às predileções do próprio Clérambault. Vislumbra-se nas entrelinhas da vida do psiquiatra uma possível identificação imaginária com sua paciente em relação à paixão erotizada que tentou ao longo dos anos sublimar com suas aulas sobre os drapeados e suas fotos das burcas árabes. Marie parece ter sido a encarnação mais radical e escandalosa dos desejos mais íntimos que nutria em relação aos tecidos

III. Desdobramento

Paris entre dois tempos: o final do século XIX, ainda marcado pelo pudor da sociedade francesa vitoriana, refletido nos figurinos modelados por estruturas pesadas e avantajadas, encerrando o corpo feminino numa verdadeira fortaleza. O novo tempo de Paris do início do século XX, tomada pelas inovações na arte, na ciência, na psiquiatria, e, sobretudo, no corte simples e leve dos mais novos trajes femininos confeccionados com tecidos finos e leves, caindo suavemente, como uma luva, sobre o corpo das mulheres e sobre a fantasia de alguns homens.

Marie Benjamim, uma paciente psiquiátrica vítima escandalosa de um mal que respondia também pelo nome de “vício” ou “delito”. Uma transeunte que vagava pela cidade à procura de tecidos e que nutria impulsos estranhos pela seda. Uma mulher que viveu à sua maneira as inquietações de sua época, que testemunhou a migração dos véus que confeccionava para suas clientes na tarefa caseira de “trançar e tecer” para as deslumbrantes feiras de Moda de Paris daqueles anos. Nesse mesmo momento, a mulher recatada, arrebatada por um escandaloso sintoma, acometida por uma paixão irrefreada por sedas, passou a roubar o que era o tecido-símbolo do luxo e da elegância. Transformou-se, depois de passar pelo crivo do Dr. Clérambault, numa personagem de prontuários psiquiátricos, artigos de antropologia criminal, e ainda, de filme e livro sobre as curiosidades eróticas do início do século.

O médico, Gaëtan Gatian de Clérambault, artista e cientista, que viveu sob a sombra do olhar frio e austero que a psiquiatria da época lançava sobre a loucura e o excesso feminino, tempo em que a ciência interrogava brutalmente a sexualidade dos loucos e principalmente das mulheres. Foi testemunha de um tempo em que entregar-se às obsessões, pequenas manias ou vícios extravagantes, coincidia com um prazer afrontoso e duramente questionado, por se tratar de um vício egoísta, e uma recusa ao laço com o outro.

A seda, tecido flexível, leve e fino, que contornava o incontornável, dando corpo e pele a cada uma das mulheres recém-saídas de uma armadura de tecidos brocados e armados da época clássica das cortes européias. Fino e eletrizante fio, talismã do tempo da Belle Époque francesa, paixão natural das mulheres que se ocuparam em recriar uma nova imagem para si mesmas. Além disso, na língua francesa, soie, seda, faz homofonia com dois outros termos desta língua: soit e soi, respectivamente, “seja” e “si”. Nas entrelinhas pode-se ouvir “soi même”, “si mesma”, e “soit”, “seja”, verbo ser/existir, no subjuntivo. Tratava-se de fato de criar, de fazer existir de alguma forma, numa sociedade em que as mulheres não tinham muito como existir, uma nova mulher que tomasse seu corpo para si mesma. A seda vestiu com palavras a mulher do novo século. Nos símbolos e signos da língua francesa e nas camadas drapeadas dos vestidos de seda, uma nova versão da feminilidade poderia verdadeiramente existir.

Marie Benjamin e Gaetan Gatian de Clérambault foram personagens complexos que surgiram no desdobrar do século XIX para o século XX, no momento em que a divisão ética e estética que a sociedade vivia passou a ilustrar-se na vida particular de cada um dos homens e mulheres daquele tempo. Figuras que outrora eram apenas entrevistas pelas frestas do pudor de uma época provinciana, tiveram que avançar e tomar a palavra para fazer a difícil confissão daquilo que realmente eram. Marie confessou através de seu sintoma e Clérambault sublimou suas paixões através de seus estudos sobre a arte dos tecidos.

Marie gozou do privilégio de poder ir às ruas lançar o enigma de seu sintoma a todos que quisessem olhar. Clérambault não teve a mesma sorte, pois era um doutor famoso e tinha que manter a pose, transcendendo o seu também irremediável desejo pelos tecidos de forma mais velada e talvez até mesmo mais feminina. Entretanto, um sintoma recalcado durante muito tempo por esse médico alienista fez sua irrupção na forma de um ato abrupto: o suicídio. Esse médico de olhar clínico sofria de sérios transtornos visuais, que progrediram até a cegueira completa. Logo, ao se perceber sem os benefícios de seu melhor sentido, cego, matou-se diante de um espelho, com seu revólver de oficial da primeira guerra mundial. Ao leitor arguto, para além dessa cena anunciada pelos jornais sensacionalistas da época, não é difícil perceber nas entrelinhas a profunda e comovente identificação de Clérambault com a paixão que suas pacientes vertiam pela seda. O espelho no qual ele não podia se ver refletia a imagem delas.

A vida deste neuropsiquiatra francês chegou ao fim, deixando aos que sobreviveram a ele seu derradeiro enigma. Aqueles que foram buscar por vestígios que pudessem explicar sua morte trágica, encontraram entre seus pertences, uma lápide que ele mesmo encomendara em Fez, no Marrocos, vinte anos antes de morrer. Lá havia cravada uma mensagem que contradizia o seu último ato: suicidar-se, cego, em frente a um espelho, símbolo maior da vaidade, olhando-se pela última vez, sem mesmo poder se ver. Na pedra que mandou esculpir para colocar em seu túmulo, um provérbio árabe previne os homens desavisados que não se esqueçam de que a morte abate a todos, até os mais vaidosos:

“Um dia nós acolhemos um visitante

– Nos lembramos do assalto da Morte –

 Não sejas vaidoso

Pois quantos daqueles que gozavam de uma boa saúde

E a quem parecia que nada podia atingir

Foram assim mesmo tragados pela sepultura

Passe tua vida devotado a Deus

E Ele te oferecerá uma vida de beatitude

E você será preservado de um fim decadente.”

(TISSERON, 1980, p. 65).

* Izabel Haddad Marques Massara é  psicanalista, doutoranda em psicologia pela UFMG. Interessa-se pelo tema da feminilidade na psicanálise e possíveis interlocuções do assunto com o campo da arte, moda e literatura. Contato: izabelhaddad@hotmail.com

O traço de Pitty Braga

Pediu que  vestisse de uma fantasia. Ondas negras e pontiagudas sobre os olhos, cabelos com volume e momentos, um outro tempo, a delicadeza amarrada à força. Aquela que a reveste conseguiu levá-la lá. Está aí o resultado:

pinup_preso_1_TRATADO

pinup_preso_2_TRATADO

pinup_preso_4_TRATADO

pinup_preso_5_TRATADO

pinup_preso_9_TRATADO

pinup_preso_10TRATADO

 Outra possibilidade da mesma proposta (cabelo parcialmente solto):

pinup_solto_1_TRATADO

pinup_solto_2_TRATADO

pinup_solto_3_TRATADO

pinup_solto_5_TRATADO

pinup_solto_6_TRATADO

Este maxi-delineador é um encanto. Para que tirar?

Pitty consegue deixar um traço assim: firme, lindo. Nem preciso ficar falando muito, não é?!

Seguem dados para contato com a Pitty:

Pitty Braga – Cabelo e Maquiagem
Facebook – Pitty Braga (clique aí!)
Instagran – pittybraga
email- pittybraga@live.com
Salão Jacques Janine – BH 
Rio Grande do Sul, 1280, Lourdes
33373337

 

Abraços calorosos,

Júlia

Look do dia com Arte:
reciclando peças com Frida

www.annejulie-art.com

www.annejulie-art.com

Conforme prometi no post anterior, conto aqui o ponto onde, a princípio, Frida Kahlo me fisgou. Na pré-adolescência fui morar com minha família em Los Angeles, onde meus pais foram fazer parte de suas pesquisas de doutorado. Lá, frequentávamos as casas dos colegas de doutorado/pesquisa/estudos/universidade de meu pai e de minha mãe. Na casa de um casal de amigos havia um quadro enorme e colorido pendurado na parede da sala de jantar. Este quadro me intrigava. A figura retratada era a de uma mulher de sombrancelhas grossas, rosto fino, cabelo trançado e com um mico-leão sentado confortavelmente em seu pescoço. Todas as vezes que olhava para este retrato eu ficava encabulada, estranhando aquela imagem. “Por que o bigode?”, “Por que ela olha assim?”, “É mulher mesmo?”, “Um mico?”. Me lembro de ficar com o olhar fixado no quadro, fazendo perguntas em silêncio. Até que um dia soltei a voz e perguntei a alguém quem era aquela do retrato. Me responderam que era Frida Kahlo, uma pintora mexicana de se admirar. Desde então fiquei atenta ao nome dela e passei a pesquisar sobre sua obra. E aqui estou, mais uma vez, mirando Frida e pincelando, em meu corpo, traços que vislumbro.

Dito isso, seguimos com Frida. Hoje resolvi fazer algo que considero super importante, fundamental: reciclar. Como já coloquei neste post, precisamos encontrar maneiras de potencializar as peças que temos e gerar novas combinações e possibilidades a partir da paleta de roupas de que já dispomos. Não dá pra ser feliz só com roupa nova. Inventar é um exercício de refinamento de estilo e a melhor forma de fazer isso é descansar a carteira e usar a imaginação. Neste look, continuei tentando me inspirar em Frida e criei duas variações a partir do look postado ontem. Primeiramente, adicionei um blazer com estampa étnica, que tem uma proposta parecida com a da calça usada anteriormente e que segue a paleta de cores do primeiro look: azul e branco (me gusta!). Com a chegada da tarde e da brisa fria, o blazer se fez necessário.

Opção #2, com blazer:

  blazer_2

blazer

Blazer: Zara/Blusa: Luisa Accorsi/Calça: Pop Up Store/Bolsa: comprada em viagem

Em seguida, acrescentei leveza à produção, trocando a calça por uma saia que também tem uma pegada étnica. Nos pés, meus sapatos favoritos: botas pretas. A bolsinha pequena é perfeita para rodopiar. Como a blusa e a saia já eram marcadas por cores fortes, fui de preto e branco no resto. Acho que as imagens demonstram que com poucas peças dá para ser feliz. Eu ainda poderia usar o blazer com a saia, a bota no primeiro look e o sapato com a saia, trocar as bolsas, colocar uma regata branca básica no lugar da camisa azul, enfim, dá pra fazer uma viagem de uma semana só com essas peças, incluindo uma rasteirinha, uma blusa básica de malha preta e uma branca. Bom, né?!

Opção #3, com saia:

rodando

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close

detalhe

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lado

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Bolsa: HM/Saia:?/Bota: Cavage

Fotografia: Carolina Homem

Espero que tenham gostado.

Aproveito para compartilhar uma dica preciosa que a querida amiga-leitora-amante-das-letras Julia Magalhães deixou ao comentar o post de ontem. Ela indicou este site (é só clicar aí!) super bacana onde estão disponíveis várias peças (de decoração, vestuário e mais) inspiradas em Frida Kahlo. Há coisas especiais, que eu nunca tinha visto. Vejam minhas escolhas:

cartaz_frida_tratado prato_frida_tratado

Ah, a blusa azul que usei em todos os looks é da Luisa Accorsi, minha amiga querida que tem uma loja virtual de coisas super lindas, de bom gosto e boa qualidade. O blog dela é super fofo! Uma querida! Super indico.

Aproveito para agradecer a cada uma pelos comentários-letras que têm deixado em nosso Vestido – de presente e marcando presença -, pelas leituras singulares que têm feito dos posts, pelas dicas, pelas trocas, pelo carinho, pela força. É disto que este blog se alimenta. Valeu, de coração! Continuem comigo…

Beijos com carinho,

Júlia

Look do Dia com Arte:
cores e letras de Frida Kahlo

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O corpo se compõe de laços de fita, sonhos e memórias felizes, brincadeiras de boneca, passeios de mãos dadas, danças rodopios e vestido rodado. Se acaricia com delícias e guarda o “para sempre” da infância. Mas o corpo também se faz de dor, desconforto, estranheza e limitações (#quem nunca?). O corpo é estranho e estrangeiro, fala uma língua que exige tradutores. Temos que inventar – cada um de um modo – modas com/para nossos corpos. Precisamos costurar vestidos e moldar contornos para o corpo, para diluir o amargor que, em cada vida, tem fórmula, densidade e gosto singulares.

Alguns encarnam o sofrimento de forma mais intensa e, assim, encaram mais de perto os impasses que um corpo pode colocar. Seja por obra do destino ou do desejo, um sujeito pode ter que “dar nó em pingo d’água” para criar seus laços de fita. E é daí que surgem invenções de moda incríveis, inesperadas, potentes. A beleza viva brota do extremo. Frida Kahlo – a artista mexicana de traços fortes e olhar marcante que estampa o retrato acima – conseguiu, através de seu gesto artístico e de suas cores, transformar seu amargor em flor, oferecendo ao mundo um universo de cores e letras intensas e extremamente femininas. Uma bruta flor do amor.

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Frida Kahlo parece pintar com cores que escorrem de seu pulso. O corpo aparece com toda força nas obras da artista cuja vida foi marcada por impasses: contraiu poliomielite aos seis anos de idade, ficou em cima de uma cama por nove meses e ficou com sequelas. Aos dezoito anos foi vítima de um grave acidente em que o ônibus no qual se encontrava colidiu com um carro. As sequelas desse acidente foram ainda mais graves. Ela passou a ter dores fortes e constantes e, de tempos em tempos, fazia tratamentos em que precisava permanecer imobilizada. Mas, justamente diante do imperativo de “parar”, ela deu (como pôde) um “pulo” de vida na vida e lindamente fez jorrar suas cores e dores no mundo.

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Como no dia 06 de julho comemoramos o aniverário de Frida Kahlo – uma artista cuja obra me toca desde cedo (contarei o porquê no próximo post), resolvi fazer uma semana temática. Todos os looks desta semana serão inspirados na figura e na obra de Frida. Ah! Nesta semana teremos três looks! O de hoje foi inspirado na foto que abre o post. O olhar de Frida é, ao meu ver, o núcleo e o coração da foto. Em torno desse olhar, adereços coloridos e jóias em prata. Adepta da tendência étnica (que está super em alta!), a estilosa Frida gostava de se enfeitar com elementos que remetiam à cultura e às tradições de seu país natal: México.

Para compor o meu look com Frida, parti das cores fortes de sua blusa e do laço de fita que enfeita seu cabelo. Azul e rosa choque são cores marcantes que formam uma combinação viva-contraste. Na blusa de Frida catei a flor, que foi a “chave” do ensaio fotográfico. Escolhi uma calça (que adoro) com estampa étnica, fazendo uma referência à cultura indígena. Dobrei a barra da calça porque acho que fica mais charmoso e alonga as pernas (sou mignon). A blusa com laço remete ao adereço que enfeita a trança da pintora. O sapato  que escolhi tem um toque artesanal (nas cordas). Se “viajarmos na maionese” podemos ver que o cinto remete às pirâmides mexicanas (#forçando a barra com Frida Kahlo. haha). Quanto à bolsa, achei que ela dava um toque mais moderno ao look que, no fim das contas, ficou bem atual. Concordam?

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verde

bolsa

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pose

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flor_4 Blusa: Luisa Accorsi (recomendo!)/Calça: Pop Up Store/Cinto: Zara/Sapato: Arezzo/Bolsa: comprada em viagem

Fotografia: Carolina Homem

Aproveito para indicar a leitura de O Diário de Frida Kahlo: um auto-retrato íntimo. É um livro-exposição que traz os escritos de Frida entremeados aos seus desenhos. É de uma beleza e de uma intensidade fora do comum. Uma obra de arte. Vale a pena procurar.

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Espero que tenham gostado deste retalho do nosso Vestido de Letras.

Aguardem! Vem mais por aí!

Aproveito para agradecer pelos comentários que vocês têm deixado aqui, costurando nosso vestido com as cores de suas letras. Fico muito satisfeita ao ler cada mensagem.

Beijos,

Júlia

Look do dia com Arte:
dar corpo à cor com Hélio Oiticica

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Hélio Oiticica, Invenção da cor, Penetrável Magic Square # 5, De Luxe, 1977, foto: Carol Reis

Hélio Oiticica, Invenção da cor, Penetrável Magic Square # 5, 1977. Foto: Carol Reis

Da tela que abriga a pintura para o espaço do Museu do Inhotim, vamos ao encontro de uma obra instigante e penetrável: Invenção da cor, Penetrável Magic Square #5, do (anti)artista carioca Hélio Oiticica (1937-1980). O labirindo colorido, incrustado na paisagem e a ela misturado, é um convite ao corpo. “Venha”, escuto. E vou. Com o corpo em movimento, vários sentidos são convocados pela ativa participação na obra: o olhar, o tato, a audição… a percepção, enfim. A cada quina, uma outra perspectiva, outras sensações, outra composição formada pelas misturas de paredes, cores, frestas, materiais. O olhar ali são vários… em mutação. O chão é de pedras e produz sons que variam de acordo com a movimentação de cada corpo e a ação variável do vento. O corpo se mistura à paisagem e torna-se parte da obra. Sorrisos vêm a tona. A cor ganha corpo, o corpo ganha cor. Trago as bolinhas (pois), que tanto adoro, para esta brincadeira. Gosto do modo como os pequenos círculos (em vermelho e branco) da estampa da blusa se destacam  das linhas de Oiticica. O preto – cor base da produção – impede que eu me funda completamente ao magic square. A bolsa não é tão lúdica pois o dia era, também, de trabalho. Nos pés, o corforto dos clássicos, que, neste dia, tocaram o contemporâneo.

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Blusa: Kinca/Shorts: Luisa Accorsi/Bolsa: Lenny e Cia/Sapatos: Arezzo

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                               Fotografia: Pedro Aspahan

Esta obra de Oiticica estabelece relação tanto com a arquitetura quanto com a natureza. Acho isso incrível e potente!

Recomendo fortemente uma visita ao Inhotim. O museu possui um acervo de cerca de 500 obras, com foco na arte contemporânea. Os jardins do museu – onde se encontram muitas das obras – são preciosos. O Inhotim localizado bem pertinho de Belo Horizonte, em Brumadinho. O endereço: Rua B, 20, Inhotim  Brumadinho – MG, 35460-000, Brasil, Tel: +55 31 3571-9700.

E, pegando o embalo, uma pequena digressão: Hélio Oiticica era militante da causa gay. Já que estamos falando de cores e beleza – mas em tempos de fortalecimento de ideais da direita e da disseminação de discursos totalitários e repressores – coloco-me aqui a favor da liberdade de expressão sexual e da manifestação da diversidade de gênero para todos os sujeitos. Este discurso de que homossexualidade é doença soa como uma defesa contra a feminilidade com a qual todos nós – falantes – temos que lidar. Se é pra lidar com isso, melhor que seja com cores, flores, letras.

Beijos e até logo!

Júlia