Uma roupa veste um corpo. Um corpo veste uma roupa. E o que vem a ser um corpo (vivo)? Pedaço de matéria que pulsa, que se manifesta, que se dirige ao outro? Uma imagem limitada/bordejada que capturamos através dos sentidos? Um corpo é uma imagem? Um corpo é uma roupa? Onde termina um corpo e começa o resto do mundo? Como é que o resto do mundo toca o corpo? Onde termina o corpo e começa a roupa? Como a roupa toca o corpo? Como a roupa toca o resto do mundo?
Estas são questões que pulsam insistentemente. Mais ainda ao ver as imagens do último desfile da carreira do artista plástico e estilista brasileiro (neto de japoneses) Jum Nakao. Em 2004, na Semana de Moda de São Paulo (SPFW), Nakao apresenta, no desfile que encerra sua participação no evento, imagens que abrem uma brecha para o que usualmente não vê na moda: “A costura do invisível”. O artista apresenta uma coleção que promove um cruzamento entre o estilo das roupas do final do século XIX (passado) e bonecos playmobil (contemporâneo). Presentifica a questão da efemeridade. As “fadas playmobil” – como ele as denominou – vestem roupas delicadíssimas, feitas de papel vegetal e cortadas a laser – ou seja, materializações da leveza e da fragilidade. De longe, não se podia perceber qual era o material usado nas roupas, apenas que elas tinham um aspecto translúcido, como um véu – que convida o olhar a ver.
Ao final do desfile, ao entrarem em fila para encerrarem a performance, as modelos surpreenderam a platéia ao rasgarem e destruírem as roupas que vestiam, provocando um rompimento com o protocolo esperado. A des-costura, a presentificação da efemeridade. Um gesto que permite perceber a moda de outra forma, permite ver além da imagem e pensar/sentir o processo de produção da vestimenta e de costura dela com/no corpo. Afinal, destruída a roupa, o que resta? O resto é o conceito, uma elaboração simbólica que marca o corpo do estilista, das modelos, dos espectadores, cada um de uma forma.
“A constura do invisível” permite olhar para um ponto cego (o do cruzamento corpo-imagem-letra-roupa), em um universo (moda e mais…) fixado à imagem. Jum Nakao afirma que uma das frases que nortearam a criação deste desfile é a seguinte: “o efêmero também pode permanecer”. Sim, pode. Desde que a costura vá além do imaginário, criando um ponto de letra entre o corpo e o que ele veste no mundo, isto é, amarrando o real (o que pulsa), o imaginário (os contornos que criamos onde não há) e o simbólico (a linguagem que fisga o corpo). A elaboração simbólica e também no ato permite isso. A roupa se vai, mas a letra permanece. Valeu pela sua costura do invisível, Nakao! Pela sua letra, pelo deslocamento… Mesmo!
Neste caso, vale a pena assistir o desfile em movimento:
A costura do nosso Vestido de Letras também busca tocar o invisível. Em ponto de letra.
Beijos,
Júlia
esse, junto com aquele desfile em cima da dança dos desesperados do mcqueen, são os dois que carrego com mais admiração. eles tem uma força inacreditável, e tratam muito bem do tanto de questionamentos que quem lida com a moda diariamente nao consegue deixar de levantar.
Ju,
Vou pesquisar sobre o desfile do McQueen. Obrigada por citar.
Saber que este desfile do Nakao está entre os mais admirados por ti o torna ainda mais especial.
Sim, a força é incrível! Vamos conversar mais sobre isto e mais. Teremos tempo.
Julia,
Até hoje eu lia o seu blog todos os dias, mas não comentava. Admirava os posts, lia com atenção, mas às vezes nem sabia o que escrever aqui. Mas hoje tive que te escrever. O seu blog me toca de um jeito diferente. Eu adoro moda e gosto de textos e imagens relacionados ao assunto. Mas aqui encontrei a moda colocada de outro jeito, que me instiga a pesquisar outros assuntos, relacionar moda a outros temas. Tá abrindo a minha cabeça. Este post de hoje me tirou do lugar. Continue escrevendo. Um abraço, taís
Taís,
Seu comentário me deixou muito satisfeita! É bom ter um retorno como este, porque o blog é mesmo uma forma de dialogar.
Bom também saber que você encontra aqui algo novo, diferente e que a leva a pesquisa. Isso é o melhor que se pode transmitir.
Vamos que vamos, abrindo brechas, saindo do lugar comum.
Vou continuar escrevendo. Espero que você continue lendo e comentando. Eu gosto muito desta troca.
Obrigada pela leitura e pelas palavras!
Um beijinho,
Júlia
Júlia,
Adorei o post de hoje. Você se inspirou no Juam Nakao que descontrói com audácia e inspiração e que nos faz sair da zona de conforto. Sua pesquisa me ajuda a pensar para além do visível.
Muito bom.
Roseni
Adorei o “Juam Nakao”. A inclusão do “a” tornou-o mais latino.
Sim, sair da zona de conforto… talvez este seja o passo dado.
Que lindo saber que as minhas pesquisas têm este efeito também para você.
Obrigada!
Beijos!